Viticultores descontentes com atrasos dos pagamentos das três campanhas anteriores da Adega Cooperativa de Valpaços, direção garante liquidação nas próximas semanas

A poucos dias de se iniciar mais uma campanha da vindima, vários viticultores associados da Adega Cooperativa de Valpaços (ACV) dizem ter esgotado a paciência com as promessas não cumpridas, por parte da direção daquela cooperativa, de pagamento de três campanhas que estão em atraso (2013, 2021 e 2023) e admitem não entregar as uvas na campanha que está prestes a começar.

Uma carta aberta a que tivemos acesso, subscrita por muitos associados, descreve um cenário “caótico” e acusam mesmo a atual direção de ser a responsável por mais de 400 hectares de vinha que já terá sido arrancada nestes últimos anos.

O presidente da direção, Pedro Vinagre, garante apenas que uma das campanhas em atraso será brevemente liquidada.

Alguns associados dizem estar fartos de esperar pela cor do dinheiro e pensam em não entregar as uvas naquela adega e muitos até admitem nem sequer vindimar. “Estou a pensar seriamente nisso. Se já não pagaram as outras, ainda vou por lá mais uvas, nem pensar”, afirma Fernando Coelho.

“Já não meto lá as uvas, prefiro deixar na vinha e ganho mais. Já me devem quase dez mil quilos delas”, conta Carlos Fontoura. “As pessoas assim não podem viver, porque não podem trabalhar de graça. Vou esmagar algumas para meu gasto e o resto ficam lá todas na vinha”, acrescenta este agricultor.

“Para a banca há dinheiro, mas para quem leva lá o produto para aquilo sobreviver, não há dinheiro. Não as levo lá, deixo-as ficar”, garante. António Gonçalves.

São apenas alguns testemunhos de associados da ACV, que acusam a direção daquela cooperativa de “gestão danosa” nos últimos nove anos. Numa carta aberta a que tivemos acesso, subscrita por dezenas de associados, a atual situação é descrita como “caótica”, dado que os sócios continuam a aguardar que lhe sejam pagas as três campanhas e “perspetiva-se que o mesmo vá acontecer com a deste ano”, considerando que a ACV “deixou de ser fonte de rendimento para os viticultores para ser uma fonte de despesa inútil e supérflua”.

Na missiva, contam mesmo que esta gestão levou a que “uma grande maioria dos viticultores” tem vindo a arrancar desenfreadamente as suas vinhas. “Podemos mesmo dizer que esta direção é o coveiro responsável por mais de 400 hectares de vinha que já foi arrancada nestes últimos 9 anos”, pode ler-se, alegando que muitos já faliram, devido à falta de pagamento das campanhas “e outras tantas que o pagamento, nem para os custos de produção chegou”.

No entanto, sobre este parágrafo em concreto, Arnaldo Varandas, o presidente da direção da ACV durante o período compreendido entre 2014 e agosto de 2019, insurgiu-se contra este conteúdo, referindo “não ser verdade”. Adianta que, durante esses cinco anos, “todo o reporte que recebi de todos os associados é de que as coisas andavam bem e estavam satisfeitos e de lá para cá é que o reporte tem sido diferente, dizendo que não estão satisfeitos”, esclarece, dizendo que fica à disposição de qualquer outro esclarecimento.

A carta aberta fala ainda na “falta de credibilidade” que o vinho da ACV passou a ter, considerando que a prova está na queda das vendas que foi “superior a 50 %, já que passou de 1.200.000 € para 570.000€, conforme consta nos relatórios de contas apresentados nas Assembleias Gerais”, afirma a missiva.

Na carta são ainda apontados outros fatores ligados à gestão que comprometem o futuro dos vinhos da ACV: “deixou de ter um enólogo a tempo inteiro e contratou um tarefeiro, que vem uma vez por semana, para acompanhar a destruição da adega. Não existe nenhum comercial responsável pelas vendas, os distribuidores, que já foram dezenas, agora contam-se pelos dedos de uma mão os que ainda distribuem vinhos da Adega Cooperativa de Valpaços”.

Denunciam ainda que os estatutos “estão contra a Lei” por não estarem de acordo com o novo código cooperativo, “com todas as nefastas consequências e riscos de legitimidade de todos os atos praticados”.

A carta termina com um apelo à direção: “que se demitam e não arruínem mais o setor e os viticultores indefesos”.

PRESIDENTE DA COOPERATIVA GARANTE LIQUIDAÇÃO DE UMA CAMPANHA

Confrontado com estas críticas, o presidente da direção da ACV admite algumas dificuldades que diz serem “transversais no setor do vinho em todas as regiões do país”, garantindo, por agora, que vai pagar uma das campanhas em falta. “Está a contabilidade e o banco a tratar do processo, porque é moroso, é preciso perceber os créditos que os sócios têm, é o que está a acontecer neste momento é fazer esse trabalho e quero acreditar que dentro de duas semanas está uma campanha liquidada”, afirma Pedro Vinagre.

Conta ainda que, infelizmente, esta situação é “o normal” das cooperativas. “Era muito bom descarregarmos os tratores das uvas, e faço parte do grupo dos maiores associados desta casa, e quando a minha carrinha traz seis contentores de uvas de cada vez, gostava muito de levar o dinheiro para casa, infelizmente não é o que temos. Há muitos anos para cá, as cooperativas pagam a campanha do ano anterior no ano seguinte. É assim que tem funcionado”, diz.

Quanto à campanha de 2021, não adianta o prazo para pagamento. “Foi o ano onde houve um excesso de vinho em todo lado e quando há uvas a mais, vêm para todas as cooperativas, porque estatutariamente somos obrigados a receber as uvas todas. Hoje temos aproximadamente um milhão e meio de litros dos anos anteriores, dentro de portas, que já não devia estar cá, mas vamos ver o que podemos fazer”.

Apesar de admitir algumas dificuldades nos últimos anos, que liga ao facto de termos atravessado uma pandemia, Pedro Vinagre desmente que tanha havido uma quebra nas vendas. “No último relatório de contas pode-se ver um aumento dos vinhos engarrafados nas vendas gerais da adega, aumentamos aproximadamente 50% face ao ano anterior, mas 2022 e 2021 foram anos complicados”.

Ainda assim, “a dificuldade do mercado não é só nossa. Vejam os produtores do Douro, que têm o vinho do Porto, que é altamente subsidiado”, justifica.

Quanto à acusação da falta de um enólogo a tempo inteiro, Pedro Vinagre desdramatiza. “Conheço muitas cooperativas que não têm um a tempo inteiro e a vender mais do que nós” e argumenta que no concurso de vinhos de Trás-os-Montes, do ano passado, “foi uma marca nossa” (Encostas do Rabaçal Reserva), “que foi considerado o melhor vinho do concurso”, diz.

Relativamente à acusação de que os estatutos não estarão de acordo com o Código Cooperativo, admite que “teve uma revisão em 2015, a nível nacional, mas, honestamente, pouco ou nada altera o paradigma das cooperativas, que é diferente do paradigma espanhol, bastante distinto para melhor, na minha opinião. Mas, temos que respeitá-lo, vamos fazer então uma revisão agora dos estatutos”, conta.

Um ambiente crispado entre viticultores associados da Adega Cooperativa de Valpaços e a direção a poucos dias de se iniciar a campanha da vindima deste ano.

INFORMAÇÃO CIR (Escrito por Terra Quente)
Fotografia: Município de Valpaços