51 dias depois da tragédia no Lar “Bom Samaritano”, as famílias das sete vítimas mortais desesperam por respostas

Perto de dois meses depois do trágico incêndio que deflagrou no Lar “Bom Samaritano”, em Mirandela, ter ceifado a vida a sete utentes, as famílias continuam sem respostas sobre as causas que levaram a este desfecho. Aguardam os resultados dos inquéritos abertos pelo Ministério Público (MP) e pelo Instituto de Segurança Social (ISS) para se apurar responsabilidades e proceder ao pagamento das indemnizações.

Entretanto, o Lar ainda não sofreu qualquer intervenção. A empreitada para as obras de requalificação do edifício já está em concurso, mas não deverá ficar pronto antes do final do ano para poderem regressar os mais de 80 utentes que estão espalhados por diversos lares da região.

Na madrugada, do dia 16 de agosto, seis idosos – cinco mulheres e um homem, com idades entre os 75 e os 95 anos – todos utentes do Lar “Bom Samaritano”, da Santa Casa da Misericórdia de Mirandela (SCMM), perderam a vida, vítimas de um incêndio que deflagrou num dos quartos daquela Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, que albergava 89 utentes. Quatro dias depois, o número de vítimas mortais aumentou para sete. Uma utente de 84 anos que estava na Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital de Bragança não resistiu aos ferimentos.

“É uma enorme tragédia que nos deixa a todos de rastos”, disse, na altura, o Provedor que lidera aquela instituição há mais de 11 anos. Adérito Gomes chegou a adiantar que a causa do incêndio poderia ter sido “um curto-circuito num colchão anti-escaras”.

Um vizinho do lar onde ocorreu a tragédia, que foi o primeiro a prestar auxílio, afirmou que os sensores de incêndio “não funcionaram, porque ninguém ouviu soar qualquer alarme”, contou Paulo Pereira que começou por tentar combater as chamas com recurso aos extintores. “Tentei utilizar três, mas só um é que funcionou e de seguida retirei três idosos”, acrescentou.

Na altura, o provedor confirmou que o alarme “não soou” com base na informação transmitida pelas funcionárias, e garantiu que os extintores do local estavam a funcionar e foram carregados nos prazos previstos e obrigatórios.

O MP decidiu abrir um inquérito para investigar o incêndio, tal como o ISS. Quase dois meses depois, em resposta escrita ao JN, a Procuradoria-Geral da República apenas confirma que o inquérito “encontra-se em investigação”. Já o Ministério do Trabalho e da Segurança Social ainda não respondeu ao nosso pedido de informação sobre o ponto de situação em que se encontra o inquérito promovido pelo ISS.

Este silêncio está a deixar os familiares preocupados. “Até à data, ninguém da Santa Casa nos disse nada. Não houve nenhuma conversa, não houve um telefonema, houve apenas uma mensagem a dizer que assumiam as despesas do funeral, mas isso era o mínimo que poderiam fazer”, diz Carlos Alberto Lima, filho de Josefina Cândida, uma das sete vítimas. “Parece que estão a deixar que isto caia no esquecimento, que a gente não saiba o que se passou ali. É uma revolta muito grande”, acrescenta um dos sete filhos de Josefina de 92 anos, que estava no Lar desde 2015.

Carlos espera que culpa “não morra solteira”, porque “um incêndio pode haver em qualquer lado, em minha casa, pode haver um curto-circuito, o que não pode falhar é o sistema de alarme, extintores, mangueiras de água, numa instituição onde estão 90 pessoas, não pode falhar, tem que haver manutenção, e se isso tudo falhou tem que haver um responsável”, afirma não contendo as lágrimas ao recordar o dia fatídico. “Quando cheguei ao lar e vi aquele quarto todo queimado, disse logo que era onde estava a minha mãe”.

Carlos Alberto confessa que tem sido dias “muito duros” para a família. Como se já não bastasse ter perdido a mãe, três dias depois, o sogro também faleceu num acidente quando se encontrava a operar uma máquina de rastos no combate a um incêndio no concelho de Mirandela. “Tem sido uma angústia muito grande”, diz.

Já Nélson Loução, filho de Inês da Natividade Gomes, outra das vítimas do incêndio, diz aguardar “com serenidade” o desenrolar do processo. Enquanto família, separa dois estados de espírito: “um é a despedida da nossa mãe. Aí estamos tranquilos, fizemos o melhor por ela, colocamo-la numa instituição com a expetativa de ser bem cuidada e temos um sentimento de gratidão no que concerne às funcionárias, porque sabemos que ela ali foi muito amada, bem cuidada e que num determinado momento partiu. Esse luto, estamos a fazê-lo de forma tranquila e não temos nenhum sentimento de revolta”, diz.

Relativamente ao acontecimento, “claro que nos incomoda, porque foi uma morte muito brutal, e queremos algumas explicações, mas conseguimos perceber e diferenciar esses dois momentos. A brutalidade é uma questão que requer algum tempo, que requer investigação, não queremos sobrepor-nos às instituições, estão a fazer o seu trabalho e estamos calmos”, sublinha Nélson, um dos três filhos de Inês Gomes, que não esconde alguma inquietação. “A morte já é algo complicada, mas a forma como ocorreu é de extrema violência e deixa-nos inquietos, faz-nos acordar durante a noite, porque a expetativa que tínhamos era que a nossa mãe, neste ambiente, viesse a ter uma morte tranquila, e essa expetativa foi quebrada”, refere.

Apesar de admitir que é um processo complexo, espera que seja reposta a justiça. “A nossa mãe teve uma morte muito trágica e naturalmente, que alguma coisa falhou, e é preciso apurar se todas as condições de segurança que são exigíveis para uma instituição desta natureza, estavam, de facto, asseguradas e estavam ativas”, afirma.

OBRAS DE REQUALIFICAÇÃO DO LAR EM CONCURSO

o Lar continua no mesmo estado sem condições para voltar a acolher os mais de 80 utentes que, desde 16 de agosto, estão espalhados por diversos lares.

Segundo o Provedor da SCMM, as razões desta demora para avançar com obras de requalificação no edifício prendem-se com aspetos burocráticos. “Teve de ser elaborado um projeto de reabilitação por parte dos técnicos da Câmara e isso requer sempre algum tempo, mas a empreitada já foi colocada a concurso público”, revela Adérito Gomes.

Apesar de não se comprometer com datas para a reabertura do Lar, o Provedor vai dizendo que o prazo de execução previsto é de 60 dias. “A obra será iniciada pelo piso superior que é o que está em melhor estado, de modo a poder ser utilizado mais cedo, e poder instalar cerca de 60 utentes, e o piso inferior será a fase final da obra da reabilitação, através de um empreitado total, para acolher os restantes utentes”, acrescenta.

Enquanto as obras não estiverem prontas, mais de 80 utentes continuam em outros lares da região. Quatro são geridos pela SCMM: dois na cidade de Mirandela (Lar Santa Ana e Lar Nossa Senhora da Paz), outro na aldeia de Vale de Salgueiro e outro em São Pedro Velho. Estão ainda espalhados por lares da Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros e Vila Flor, bem como no Lar de Idosos do Centro Social e Paroquial do Romeu (Mirandela) e cinco estão na Unidade de Cuidados Continuados no Hospital “Terra Quente”, uma ala que também pertence à SCMM.

“A solução ideal é quando a lotação está completa, mas não em excesso, e aqui, como é lógico, não há como esconder, tem que estar em excesso. Mas estão todos bem instalados”, garante Adérito Gomes. “Não há camas nos corredores, não há nada disso. O que acontece é que quartos que normalmente têm duas camas têm agora três”, afirma.

Perto de 30 auxiliares do lar “Bom Samaritano”, mais os técnicos e o pessoal da limpeza estão, temporariamente, a exercer funções nos restantes lares da instituição, acrescenta o Provedor que recusa falar sobre os processos de inquéritos. “Não tive informação nenhuma sobre o desenrolar dos inquéritos”, diz.

Ouça a notícia aqui:

INFORMAÇÃO CIR (Escrito por Rádio Terra Quente)

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