Níveis de ansiedade e consumo de ansiolíticos têm aumentado desde o início da pandemia

O medo e ansiedade do desconhecido que a pandemia de Covid-19 provocam têm ocasionado alterações ao nível da saúde mental.

Isolamento e perdas de rendimento, são algumas das situações que têm levado ao desencadear de problemas do foro psicológico, como refere Joana Gomes, psiquiatra no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de Bragança e Psiquiatra de ligação nos Cuidados Paliativos do Hospital de Macedo de Cavaleiros:

“Foi algo que colocou toda a sociedade em crise, não apenas quem já tinha uma patologia psiquiátrica. As pessoas têm alguma dificuldade em perceber esta insegurança e incerteza do que está a acontecer. Em termos de impacto, o próprio isolamento que lhes foi pedido que tivessem, também aumentou os níveis de ansiedade e as ruminações sobre o que poderá acontecer no futuro. Depois há a questão do isolamento, especialmente para as pessoas que já viviam um isolamento prévio, realçando os idosos e quem vive nas aldeias, onde deixou de ir o padre e a carrinha do pão, por exemplo.”

 

Nos primeiros meses de pandemia, houve uma diminuição da afluência aos serviços de urgência e marcação de novas consultas. No entanto, a situação atual tem contornos completamente diferentes:

“Nos primeiros meses de pandemia, também pela mensagem de insegurança que foi passada no recurso aos hospitais, a procura diminuiu. Os próprios colegas dos cuidados de saúde primários diminuíram a atividade presencial e por isso não referenciaram tantas pessoas. 

Nos meses seguintes tem-se notado um aumento da procura, quer em termos pré-hospitalares, onde a nível nacional se estima que este tipo de situações tenham aumentado cerca de 14%. As idas ao serviço de urgência também têm aumentado sendo que 4% são situações graves como tentativas de suicídio, que parecem ter aumentado nesta fase. Isso é grave, e leva-nos a pensar que temos de intervir cada vez mais e estar atentos a estes casos.”

 

Também o recurso à auto-medicação e ao consumo de ansiolíticos tem disparado, o que leva a psiquiatra a alertar para que se peça ajuda especializada:

“O que aumentou foi o consumo de ansiolíticos, o que por vezes é problemático por serem automedicações. A pessoa acha que como já tomou em alguma altura da sua vida e fez bem, acha que deve tomar de novo, sem ajuda especializada.

O consumo de antidepressivos continua também a ser muito elevado em Portugal, o que nos lança também um alerta: temos de oferecer mais tempo e apoio psicológico às pessoas. Por vezes temos de aumentar doses e manter psicofármacos, que por vezes podem ser descontinuados, se as pessoas iniciarem a psicoterapia, por exemplo.”

 

Sinais que são unânimes nas diferentes faixas etárias, embora a ansiedade e os surtos psicóticos sejam mais recorrentes nos jovens:

“As perturbações de ansiedade verificam-se numa faixa etária mais jovem, bem como os primeiros surtos psicóticos. Nos idosos, algumas descompensações e desorganizações de comportamento, especialmente em pessoas que até já tinham algum défice cognitivo e demência, que com esta grande alteração de rotinas podem necessitar de um ajuste farmacológico ou até de internamento.” 

 

Sara Fernandes é psicóloga no Centro de Saúde de Macedo de Cavaleiros e no Hospital de Bragança e conta que vários utentes têm sofrido discriminação por contraírem o vírus:

“Existem casos de utentes que já contraíram o vírus e recorreram à consulta de psicologia por sentirem que, de alguma forma, eram julgados pelos outros perdendo até a retaguarda comunitária.  As pessoas não se querem chegar, têm receio que aquela pessoa continue a transmitir o vírus. Por mais informação que haja, há muita gente a sofrer com este estigma de ter tido Covid-19.”

 

Em Macedo de Cavaleiros, o Município criou uma linha gratuita de apoio psicológico, instaurada no âmbito do plano de contingência na altura do confinamento.

Bruna Venceslau, psicóloga, faz um balanço positivo do funcionamento deste meio:

“Até meados de julho recebemos várias chamas por dias, sendo que em alguns dias tínhamos a linha de apoio quase sempre ocupada.

No geral, tivemos uma média de quatro a cinco chamadas por dia, maioritariamente da população idosa, especialmente dos mais isolados e com maior dificuldade de acesso à informação.” 

 

A linha continua a funcionar e a ajudar quem precisa de apoio (800 916 529). À semelhança do Município Macedense, também a Unidade Local de Saúde do Nordeste criou uma linha de apoio para ajudar os utentes (273 302 850).

No sábado, dia 10 de outubro, celebra-se o Dia Mundial da Saúde Mental. A comemoração começou em 1992 e visa colocar temas da saúde mental nas agendas dos Governos e centrar atenções neste tipo de problemas.

 

Escrito por ONDA LIVRE