Uma vila que, de repente, se torna o ponto de encontro de tradições e de rituais do solstício de inverno.
Foi o que aconteceu em Mogadouro, este sábado, no II Encontro de Máscaras, organizado pelo município e pela associação Aceitta.
Ao todo foram 9 os grupos de mascarados presentes, 5 do concelho e 4 vindos de outras regiões, aos quais se juntaram gaiteiros e pauliteiros. Tradições de inverno pagãs, que a Igreja foi tomando para si.
De mais longe, chegam os Caretos de Mira, originários da aldeia de Lagoa, já no concelho de Coimbra. Máscaras grandes, adornadas com cornos de boi, e saias vermelhas – assim trajam estes caretos vindo da beira-mar.
Estes caretos percorrem o concelho de Mira depois do Domingo Gordo, cercam as raparigas e emitem barulhos que as pretendem intimidar. Mário Almeida, de 71 anos, conta mais sobre esta festa.
“É um ritual vindos de outra história, se calhar dos Viking, ou de algo parecido.
Hoje fala-se na praia de Mira, que não existia nessa altura. A aldeia mais próxima era a Lagoa de Mira, e a partir daí é que começou esta tradição, segundo as pesquisas que foram feitas, mas nunca ninguém chegou a uma conclusão exata.
A tradição nunca morreu mas esteve calma durante uns anos enquanto uma senhora governou este país, nas altura de ’75.
Havia um decreto-lei que proibia andar mascarado.
Mas na altura eu quis cumprir a tradição.”
Em Mira, as raparigas não participam.
O mesmo acontece na aldeia de Tó, concelho de Mogadouro, de onde chega o enigmático Farandulo, figura que se apresenta de negro, e que tinge da mesma cor a cara das solteiras. Mais personagens fazem parte da tradição: o moço, que representa o verão; a sécia, que representa a primavera; o mordomo, que representa o outono, e a quem cabe organizar a festa; e o Farandulo, o inverno, e a chegada do rapaz à idade adulta, antes de ir para “as sortes”.
Ricardo Martins, 18 anos, este ano é o mordomo. Para o ano há-de ser o Farandulo, e abandonar a festa.
“Eu sou moço, do Farandulo de Tó.”
“Eu sou a sécia, do Farandulo de Tó.”
“Eu sou o mordomo.”
“E eu faço o papel de Farandulo.”
Ricardo Martins – “É uma representação muito lógica. Representa o diabo.
Esta tradição provém dos cultos pagãos, que foi adotada posteriormente pela igreja, e simboliza a luta do mal pelo bem.
Temos o moço, que simboliza o bem, o jovem da aldeia, a força do vigor. Defende o ramo que traz a moça, que representa os furtos da terra, da colheita. antigamente eram ordenado com nozes.
Esta festa decorre pela altura do Natal e dos reis, que era no solstício. Foi adotado pela igreja pela altura de Natal, e assim se mantém até hoje, associado a festa do Santo Menino.”
Mas não acaba por aqui.
Ainda conhecemos um velho, vindo São Pedro da Silva, Miranda do Douro.
“El bielho, das festas de Santa Luzia, de são Pedro Silva. El bielho e La Galdrapa. Simboliza um borracho, um maluco.
A máscara é para não conhecer el bielho, e a cruz é de São Cipriano. É um lado mau.
Esta figura sai a rua nas festas de Santa Luzia, dias 14,15 e 16, e as pessoas têm muito medo.”
A abrir o desfile, que percorreu as ruas da vila, e a chamar a atenção de quem assistia, estiveram os Caretos de Podence, talvez os mais conhecidos e que têm vindo a abrir caminho para outras tradições
António Carneiro, presidente da Associação do Grupo de Caretos de Podence, não esconde a satisfação pelo percurso desenvolvido até aqui.
“Os Caretos de Podence são uma referência desta festa ancestral dos rituais de inverno.
No ano passado também estivemos presentes. Há aqui uma grande relação entre o presidente da câmara e o presidente da junta de Mogadouro, há aqui este intercâmbio. Vão estar em Podence no próximo Entrudo Chocalheiro, e é esse intercâmbio que nos faz continuar com este espírito.
Os Caretos de Podence também contribuíram para que outras tradições, que estavam completamente apagadas, comecem agora a dar os primeiros passos, o que nos enche de orgulho.
Já andamos cá há alguns anos, e têm levado o nome do nordeste transmontano por todo o mundo. Estas tradições nunca morrerão. porque são a nossa identidade.”
É importante, pois, valorizar as máscaras existentes por todo o país, defende o presidente da câmara de Mogadouro, Francisco Guimarães.
“Também tivemos a participação de alguns grupos que vieram de outros pontos do país. É importante valorizar as outras máscaras.
Não é difícil perceberem que isto é uma tarefa árdua que se tem que cumprir, mas esperamos que para o ano consigamos ter a sexta máscara ,que esta a ser trabalhada, e é de Vilarinho dos Galegos. Estamos a recriar uma festa que se encontra perdida com os anos.”
Para o ano, este encontro pode ser internacionalizado, com presença de máscaras da vizinha Espanha.
Estiveram ainda presentes o Velho Chocalheiro de Vale de Porco, o Chocalheiro de Bemposta, os Velhos de Bruçó, os Caretos de Salsas e os recém-recuperados Caretos de Valverde.
Escrito por ONDA LIVRE